Clarice

Mamãe me chama de Clara. Só que já vi outras pessoas me chamando de Clarice. Gosto de brincar na terra. Ela invade bem os meus dedos. Gosto também de água. Quando me esqueço nela enrugo. Adoro toddy com açúcar e não entendo por que as pessoas falam tão alto quando se mostram nervosas. Elas se parecem com mamãe. Como no dia que ela me viu comendo as lasquinhas de cimento da parede. Meus olhinhos adoram percorrer o rosto das pessoas. Vão de encontro as bilocas cansadas dos adultos e às amoras pulsantes das crianças. Que assim como eu, fazem bagunça p´ra chamar atenção. Um dia desses ganhei um ursinho de pano. Fiquei feliz com o presente. Só que havia um defeito nele: faltava um olho. Por que me deram um brinquedo estragado? Por que me deram um urso? Perguntava sempre p´ra mamãe, sempre fingindo esquecer que já havia perguntado, se os ursos tinham somente um olho?... Na nossa cidade tem urso?... ela dizia: -de novo Clara!... já falei que não... Penso comigo: -os adultos são sempre estranhos. Nunca entendi o motivo de ter bonecas. Mamãe me disse uma vez que eu só poderia ter uma filha de verdade quando fosse grande do tamanha dela. Acontece que algumas vezes minha casa enche de gente. Ganho pacotes coloridos. Vejo bexigas por toda parte. Todo mundo me beija e ficam fazendo pose para uma caixinha preta que levam perto do rosto e repentinamente solta uma luz que arde meus olhinhos. Dentro dos pacotes coloridos, as filhas que eu não posso ter agora. Quando pergunto, mamãe me responde: -elas não são de verdade Clarice.

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Frederico César de Oliveira escreve ás terças-feiras no Escritureira.