28.10.08

Jayme o Onésimo



Jayme gritou sua mãe. Esperava que ela trouxesse a sacola que ele havia pedido á alguns minutos. Ele precisa da sacola para não ter que jogar os papéis higiênicos na superfície rasa do cesto. Sabia que a sua irmã limpava o banheiro aos sábados e ele sempre ouvia a mesma reclamação.
–Que homem porco!
Jayme não era suíno. Sentado na privada procurava entender os caminhos da escrita de Rosa. Durante toda a semana ele tentou insistentemente passar para a próxima página sem o peso na consciência de não ter entendido o que ficava para trás. Disso Jayme sabia. Era o que fizera para que sua vida chegasse a aquele ponto.
–Vai trazer a sacola ou não?...Depois não me chamem de porco.
Sentia-se como um santo-sujo. Não havia pecado em suas atitudes. Era caridoso com as pessoas e sabia sorrir em momentos ardilosos. Mas nada podia dar. Era o que todos queriam. Coisas e coisas. Usar. Todos queriam usar. Ficar sorrindo era coisa de bicha. Esperava editais de concurso para fazer valer o diploma de curso superior que decorava a parede de seu quarto. Consciente perfilava em sua cabeça um desejo íngreme de ser escritor. Sabia que para chegar a tal ponto a leitura dos clássicos era essencial. Precisava descobrir os caminhos. Quem sabe fazer da sua existência vagar uma matéria-prima. Uma certeza lhe abatia como nunca. Não desejava fazer uma literatura de arroubos lingüísticos, com grandiloqüência narrativa e espasmódicos fluxos de consciência. Queria participar da vida dos incultos e instigar os estudiosos. Não ser difícil era o caminho.
–Mãe... Cadê a sacola?
Onésimo de lucidez cortante. Jayme emprestava a si essa estranha tipologia. Depois de ter lido em um antigo livro de Bandeira, sem escrúpulos julgou que lhe caía bem ser algo que ele não sabia explicar. Pois o nada ter lhe assegurava um personagem vivo. Um personagem que pedia por algo de beber a qualquer amigo que se valia.
–Tai sua sacola.
Jayme limpou. Levantou-se. Fechou o livro e olhou na privada. O que adiantaria uma maneira anárquica de falar se ele estava prestes a dar descarga na revolução.
–Vou... Mas volto meu trono.
Caminhou até o quarto e deixou Rosa para o próximo reinado. Sentenciou para si que depois de um bom cochilo enfim começaria seu romance. Antes que o corpo lhe tomasse o tempo emprestado para o breu, conseguiu ler a citação que havia colado no teto do quarto. “Deus do céu, essa deve ser a sorte que concedeis aos homens, de só torná-los felizes antes de possuírem e depois de haverem perdido a razão?”
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Frederico César de Oliveira escreve ás terças-feiras no/na Escritureira

7 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito! Extremamente significativo.

rasecsevla disse...

Gostei dessa parte sobre a razão...

Anônimo disse...

bela narrativa. li uma vez um cara falando sobre os clássicos, que vc não precisa lê-los, mas apenas saber do que se tratam, é interessante a matéria... depois te passo. abrass

Pâmela Mel disse...

Engraçado e pensante
Muito Bom

Mayla disse...

Gostei demais! O começo, o desejo de ser escritor e a citação do final! Ótimo, ótimo!

Ana Cláudia disse...

Os textos Frederico Cesarianos sempre diferentes. Adoro!

Anônimo disse...

Cotidiano é foda... hahahah nada melhor q a vida comum pra render histórias magicamente simples...
bem legal...