Recorro a minha memória. Uso as remotas lembranças para dar sentido à questão que me compraz. Lembro, ainda criança, nas rodas de adultos, amigos de meu pai, nos botecos, supermercados e varejões. As gozações referentes aos “iniciados” na arte do amor, que deveras quanto recorriam à famosa rua São Lourenço. Famosa, por que possuía na sua geografia social, “o pecaminoso”, nas palavras eclesiais. Rua nefanda, lugar das mulheres de programa, dos travestis e dos homens quase sem-teto, desavisados pela bebida e pelo desfalque financeiro. A ironia mora no título. Se por vontade fosse, nunca uma rua com nome de santo ganharia relevância por negativas qualidades. Negativas pois que, pensando na causa religiosa: os atos ali praticados eram dignos de pecados. Invertiam os valores cristãos, criavam no imaginário social a idéia de que na rua São Lourenço, a noite era dia. Ali, a noite, ressuscitavam-se os desejos adormecidos dos habitantes de uma cidade conservadora, de protetorado católico, comandada por coronéis: esses, os maiores clientes da rua em questão.
Valei-mo-nos da localização da rua São Lourenço. Ela ficava, sim, ficava (eis que não tarde voltemos a essa questão) no bairro São Benedito, um dos mais antigos da cidade de Uberaba. O bairro cresceu as margens do centro urbano. Logo as suas principais ruas ganharam importante significado comercial, uma vez que, eram abarrotadas de lojas, com diversificada variedade de itens comercializados. Paremos-nos para pensar: não é por acaso que a rua por nós citada também continha algo p´ra se vender, ainda que esse algo incomodasse em muito as esferas administrativas da cidade.
Na passagem do século XIX para o século XX, além de forte entreposto comercial que ligava as principais cidades brasileiras, Uberaba começou a ganhar notoriedade como principal produtora de gados, especificadamente o Zebu. Assim, para acompanhar o forte crescimento comercial da produção bovina, criou-se a ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu), com sede localizada no já citado bairro São Benedito. A alguns quarteirões da nossa rua objeto. Nos remetendo ás questões de localidade, vale ressaltar também, que no bairro São Benedito, próxima a Igreja de São Benedito, se estabelecia a antiga Rodoviária da cidade. Ou seja, todos que vinham a Uberaba, seja a passeio ou a trabalho, tinham a primeira impressão sobre a cidade, tendo por base o bairro São Benedito.
Dada as circunstâncias, não pegaria bem para a cidade a forte conotação periférica que a rua São Lourenço dava ao local, visto à importância política e comercial do mesmo. Assim, eis que num arroubo que não sabemos quando, fato que não pudemos apurar, a rua São Lourenço deixou de existir em nome, em placas e em mapas. As esferas administrativas da cidade, afirmado suas raízes religiosas, mudaram o nome da rua para outro santo: Dom Bosco que, ironia ou não, é o santo dos jovens. Fato que casa perfeitamente com o contexto. A cidade crescendo, urbanizando-se, modifica o nome de sua rua problema, para ver e ter quem sabe, uma mudança de sentido no que diz às práticas populares, em função de um novo referencial. Um nome de santo, diferente sim, mas santo. Ironicamente santo dos jovens. Visto que coincidentemente vai de encontro a dinâmica urbana, de se construir sobre o antigo, afirmando o moderno.
A rua São Lourenço ficava no bairro São Benedito e hoje é rua Dom Bosco. Mas para uma pessoa que não tomou contato com essa mudança e precisa se localizar é mais fácil falar: a antiga São Lourenço. Digam-se de passagem ainda com vestígios (prostitutas e travestis) reais de sua história. Uma mudança que encontrou resistência. Contudo, mesmo que ás práticas ali elencadas encontrassem uma unânime resistência no imaginário social, a rua São Lourenço viveu e ainda vive. Vide minha memória.
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Observação*: São Lourenço (o santo) foi um mártir católico e um dos 7 primeiros diáconos (guardião do tesouro da Igreja) da Igreja Cristã, sediada em Roma . Homem do Séc. III depois de Cristo. Que tesouros São Lourenço ( a rua ) guardava?
Frederico você vai e eu fico escreveu hoje uma terça-feira 13.
4 comentários:
Eu jamais passei por essa rua! Era proibido e nem qdo saía pra passear de bicicleta (ir pro "Espumoso" na praça Jorge Frange)poderíamos nos aproximar dessa "rua do pecado". Muito bom o texto Fred.
rsrsrs...
o pai de um amigo meu tinha uma ofina lá.
imagina a aventura quando ele me chamava para ir lá!!??
valeu pela fidelidade com o blog Rose!
MUITO BOM!!!!!DEMAIS MINHA VÔ MORAVA LÁ ERA REALMENTE MUITO LOUCO!!ANOITE NEM PODIAMOS SAIR DE CASA!MAS SEMPRE CONSEGUIAMOS!!!!!
nem sabia de tal existência.. mas bom saber, conhecimento nunca ocupa espaço demais.. valew fred
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